Josias de Souza - Sitiado
por investigações criminais, o sistema político brasileiro entrou em
convulsão. É como se a desfaçatez tivesse virado um vírus que transmite
aos políticos uma doença devastadora. Abateu-se sobre Brasília uma
epidemia pilântrica.
Quem presta atenção se desespera. Há políticos admiráveis em cena. Mas os outros 99,9% dão a eles uma péssima reputação. Num instante em que Lula oscila entre duas possibilidades —retornar
ao Planalto ou ir para a cadeia—, o deputado petista Vicente Cândido
(SP) sugere enfiar dentro de uma suposta reforma política uma cândida
novidade: a partir de 2018, nenhum candidato poderá ser preso nos oito
meses que antecedem a eleição.
Pior do que a emenda de Cândido, só mesmo o soneto
do companheiro Carlos Zarattini (SP), líder do PT na Câmara: ''Essa
proposta não é para o Lula e sim para todos os candidatos.” Ele explica
que o objetivo é “dar uma maior segurança ao processo eleitoral.'' Ai,
ai, ai…
Segurança para quem?, indaga a plateia
ao se dar conta de que Lula está mais perto do xadrez do que da urna,
que sua sucessora Dilma Rousseff também chafurda no lodo, que o rival
Aécio Neves recebe malas de dinheiro de Joesley Batista, que Michel
Temer é um presidente sub judice e que seu substituto é Rodrigo Maia, o “Botafogo” da planilha da Odebrecht. Um cenário assim pede camburão, não proteção.
Um dos primeiros sintomas do surto pilântrico
que varre Brasília é a perda do recato. Os políticos se esquecem de
maneirar. Noutros tempos, o toma-lá-dá-cá era mais sutil. Agora, para
facilitar o trabalho do governo, os congressistas andam com o código de
barras na lapela.
Na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Temer comprou à luz do dia a rejeição da denúncia em que é acusado de corrupção. O Planalto não se preocupou nem em tirar da decisão a marca do preço. Animado$, os aliados do presidente enxergam a próxima batalha como mais uma oportunidade a ser aproveitada.
Os partidos governistas transformaram o
plenário, onde a denúncia contra Temer será votada a partir de agosto,
numa espécie de câmara funerária com taxímetro. Quanto mais tempo
demorar o percurso até o sepultamento da denúncia, maior será o preço.
Nesse jogo fisiológico, o contribuinte brasileiro entra com o bolso.
O Congresso, como se sabe, é vital para a
democracia. Mas a cleptocracia brasileira parece dar razão ao
ex-chanceler alemão Otto von Bismarck, que dizia no século passado: “É
melhor o povo não saber como são feitas as leis e as salsichas.”
Abespinhados com a colaboração judicial
de Joesley Batista, grande fabricante de salsichas e produtos afins, os
aliados de Temer tramam alterar as regras do instituto da delação. Querem restabelecer a lei da omertà, que garantia a cumplicidade e potencializava os trambiques. Imaginava-se que a política fosse um
imenso saco de gatos. Mas delações como as de Joesley e Wesley Batista
ou as confissões de Emílio e Marcelo Odebrecht indicaram que, na
verdade, a política virou um saco de ratos.
A mutação genética parece ter sido acelerada por um vexame
do Tribunal Superior Eleitoral. No mês passado, submetido ao julgamento
mais importante de sua história, o TSE livrou Michel Temer da
guilhotina e poupou Dilma Rousseff da inelegibilidade. Para isentar a chapa Dilma-Temer, a
Corte eleitoral jogou no lixo confissões assinadas, documentos
bancários, registros sobre o vaivém de malas de dinheiro sujo e otras cositas más.
Os parlamentares concluíram que Deus pode até existir, mas terceirizou a
Justiça Eleitoral ao Tinhoso. Desde então, a doença do sistema político
só piora. Nada se cria, nada se transforma na política. Tudo se
corrompe. Transfigurou-se até o mecanismo de autoproteção. O velho
espírito de corpo foi substituído pelo espírito de porco.
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