
Agência Brasil - O sucesso internacional de um estilo de cerveja cuja fórmula foi
desenvolvida no Brasil é responsável pelo bom momento vivido pelas
cervejarias artesanais no país. Desenvolvida por produtores de Santa
Catarina a partir de um dos mais tradicionais estilos da Alemanha, a
Berliner Weisse, a chamada Catharina Sour é a primeira receita
tipicamente brasileira incluída no catálogo da Beer Judge Certification
Program (BJPC).
Considerada uma das principais organizações mundiais de certificação
de juízes cervejeiros, a BJPC publica um guia de estilos da bebida que
serve de parâmetro para os produtores caseiros, artesanais e
industriais. Com o reconhecimento da Catharina Sour, fabricantes de todo
o mundo poderão inscrever seus produtos em concursos que julgam a
qualidade da bebida. Em 2016, uma das primeiras cervejarias brasileiras a
apostar na fórmula, a Blumenau, faturou uma medalha de prata no Prêmio
Internacional de Cerveja da Austrália, uma das mais importantes
competições da atualidade.
“Temos registro de mais de 50 rótulos batizados com esse estilo. Já
há produtores de Catharina Sour no Canadá, nos Estados Unidos, na
Argentina”, disse à Agência Brasil o presidente da
Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva), Carlo Lapolli,
explicando que, preservadas as principais características
físico-químicas e sensoriais da fórmula original, cada produtor tem
liberdade para “brincar e experimentar” novas misturas, o que favorece a
diversidade de sabores. Tanto que já há Catharina Sour com adição de
maçã, jabuticaba, pêssego, manga, entre outras frutas.
Levemente ácida e com acentuado sabor de frutas que pode lembrar um
espumante, a Catharina Sour começou a ser testada comercialmente entre
os anos de 2014 e 2016, quando as microcervejarias e importadoras já se
destacavam por conquistar crescente espaço no mercado cervejeiro
nacional. Esse mercado, segundo a Associação Brasileira da Indústria da
Cerveja (CervBrasil), só fica atrás da China e dos Estados Unidos quando
considerada a produção das grandes fabricantes brasileiras. De acordo
com a entidade, a produção nacional total já ultrapassa os 14,1 bilhões
de litros anuais.
O segmento das chamadas cervejas especiais (artesanais, importadas e
`premium´) cresceu em consequência dos bons resultados da economia
brasileira em anos recentes, principalmente entre consumidores das
classes A e B, que, conforme lembra Lapolli, experimentaram uma mudança
no padrão de consumo que favoreceu diversos segmentos. O Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) estima que,
entre 2012 e 2014, as cervejas especiais ampliaram sua fatia de mercado
de 8% para 11%.
Cervejarias
O número de cervejarias artesanais em atividade é incerto. Responsável
por autorizar o funcionamento desses empreendimentos, o Ministério da
Agricultura não faz distinção entre o porte das empresas. No fim de
2017, havia 679 cervejarias registradas no ministério – número 37,7%
superior aos 493 registros de 2016. “No Brasil, o número de cervejarias cresceu bastante e continua
crescendo, apesar da crise. Claro que, em um cenário mais favorável,
poderíamos ter alcançado resultados ainda melhores”, comentou Lapolli,
acrescentando que o desafio do segmento é tentar “democratizar” o
consumo do produto artesanal. O que, segundo ele, demanda mais
investimentos e um olhar diferenciado por parte do Poder Público.
“Infelizmente, nossos preços ainda não são acessíveis a todos os
consumidores. Principalmente devido à falta de escala da produção
artesanal e ao desconhecimento por parte de nosso público potencial.
Mas, principalmente, devido às regras tributárias que não diferenciam um
grande fabricante e um produtor artesanal industrial, cobrando de ambos
os mesmos cerca de 50% em tributos”, disse o presidente da Abracerva. A
entidade tem atuado junto aos poderes Executivo e Legislativo, tentando
obter uma atenção especial do Poder Público.
“Temos alguns projetos tramitando no Congresso Nacional que visam à
redução da carga tributária. E até hoje não há uma regulamentação, um
conceito legal sobre o que seja a produção artesanal. Uma cervejaria
pequena, que produza 3 mil litros mensais, tem que estar inscrita no
Ministério da Agricultura e cumpre as mesmas exigências de uma fábrica
que produza 30 milhões de litros mensais”, acrescentou o presidente da
Abracerva.
De acordo com Lapolli, embora só detenha 1% do mercado consumidor, as
cervejarias artesanais empregam cerca de 10% da mão de obra do setor.
Já a CervBrasil contabiliza que, incluídas as grandes fabricantes da
bebida, o setor cervejeiro gera R$ 21 bilhões de impostos anuais,
respondendo por 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB) e por cerca de 100
mil empregos diretos.
Produtores
Porteiro de um condomínio de Santos (SP), Alcemir Emmanuel e o
jornalista e produtor musical Eugênio Martins Júnior decidiram aprender a
fazer sua própria cerveja ao perceber que as marcas populares já não os
satisfazia. Com o tempo, perceberam que a receita agradava os amigos.
Enxergaram uma oportunidade e decidiram arriscar. Sem recursos
financeiros, obtiveram um investimento de R$ 12 mil de uma startup e registraram a marca Cais, nome alusivo ao Porto de Santos. “Éramos, basicamente, dois caras cansados de beber cerveja ruim.
Quando dei por mim, tinha virado uma espécie de caçador de cervejas
artesanais nacionais. Ia a vários eventos, o que saía caro.
Como nos
eventos sempre tem estandes com palestras e cursos, acabou sendo um
caminho meio natural aprender a fazer minha própria bebida”, contou
Emmanuel à Agência Brasil. Hoje, produzem 600 litros
por lote encomendado a outra microcervejaria e estão presentes em 20
estabelecimentos da Baixada Santista. “Todo o dinheiro que entra nós
reinvestimos. Ainda não dá para viver da cerveja, mas espero que, em
breve, isso se torne possível”.
O servidor público brasiliense Fábio Bakker também não consegue viver
exclusivamente do negócio aberto com outros dois amigos, mas afirma já
ter outras compensações. “A atividade ainda não me sustenta, mas quando
me perguntam o que eu faço, me identifico como cervejeiro. Porque isso é
algo que faço por gosto, que está associado à produção artesanal, à
valorização dos produtos, sabores e da cultura local”, declarou Bakker,
que, por formação, é engenheiro florestal.
Para lançar a marca Criolina (nome de uma conhecida festa de
Brasília, produzida por um dos sócios) em 2015, Bakker e os amigos
investiram cerca de R$ 150 mil. Também começaram como “ciganos”, ou
seja, terceirizando a produção para outros microfabricantes. Hoje, estão
em 43 pontos de venda do Distrito Federal, além de Goiânia (GO), Palmas
(TO), além de uma rede de supermercados. Com o sucesso, planejam
investir mais R$ 800 mil para equipar o galpão onde já realizam eventos
com todo o equipamento necessário para produzir em parceria com outras
marcas. Os amigos já empregam sete pessoas.
“Temos ambição de ampliar nossa produção, fazer parcerias com outras
fabricantes ciganas”, anunciou Bakker, garantindo que a recente crise
econômica não chegou a prejudicar os planos da Criolina. “Há sustos,
lógico, mas isso é comum a todo tipo de empreendimento. O mercado das
cervejas especiais ainda é incipiente e tem um enorme potencial de
crescimento. E pode se aproveitar dessa mudança de padrão de consumo, da
curiosidade de uma parcela dos consumidores que, hoje, está mais atenta
à procedência daquilo que consome. A cerveja artesanal rompe com a
ideia do globalismo e valoriza o sabor local”, acrescentou o cervejeiro.
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